Amor de filho
- nataliarib
- 17 de mar. de 2021
- 3 min de leitura
No fim de janeiro, provocada por notícias a respeito do Holiday na TV, tive o impulso de ir até o icônico edifício de Boa Viagem. À época as notícias de ocupação irregular tomavam conta do noticiário, com relatos de vandalismo e de revolta dos proprietários. Lá, pensava em encontrar aqueles que seriam os responsáveis pelos atos condenados. O que vi, porém, foi desolador.
Olhos verdes pintados de uma solidão profunda e distantes como a imensidão do mar. Pele descascada pelo sol. Alguém que vive para ver o dia terminar. Tiago da Silva, 32 anos, havia acabado de completar dois meses em situação de rua no Recife quando achou abrigo no prédio abandonado. Ele reconhece as dificuldades que teve em negar ofertas de álcool e drogas, mas atribui o atual momento a um capítulo quase inexistente em sua vida: a relação com a mãe.
Este homem, que já é pai de três filhos, sequer sabia a cor da pele de quem o trouxera ao mundo. Foi a separação dos pais que o fez ser um órfão de mãe viva. “Eu tinha uma curiosidade grande de conhecer minha mãe. Eu não sabia se ela era branca ou preta. Meu pai tinha muita raiva dela.”, conta. Dono de um semblante profundamente triste, que estampa a falta de qualquer carinho, ele comenta que o rompimento do casal se deu por uma traição, quando era bebê.
Nordestinos, seus pais mudaram para São Paulo na década de 1980, em busca de trabalho – num movimento migratório comum no período. Como a mãe não se acostumou com o frio que fazia na capital, segundo ele, a família, então com dois filhos, voltou para Pernambuco. Só que o casamento desandou. Uma aventura do pai com uma das irmãs da mulher pôs fim à união. Como ela pediu a separação, ele decidiu fugir com os meninos e voltar para São Paulo.
A questão é que os motivos da mudança foram esclarecidos tarde demais. Ele, que agora perambula pelas ruas do Recife, achava que havia sido abandonado. Mesmo com a desconfiança do descaso materno, ele sentia que precisava procurar pela mãe - ainda que sem saber por onde começar. "Cresci ouvindo que ela me abandonou, que me jogou na lata do lixo, mas eu queria ouvir isso da boca dela e saber se era verdade. Uma mãe fazer isso é crueldade", diz.
Quando da morte do pai, em 2016, ele se sentiu autorizado a procurar por informações sobre o paradeiro da mãe. O avô paterno que a localizou. Ela estava viva, tinha 48 anos e morava no Recife. Só que o dinheiro escasso adiou os planos. Operador de empilhadeira, ele levou cinco anos para juntar dinheiro e finalmente comprar uma passagem de avião. Quando conseguiu, não hesitou. Largou o emprego em Osasco e partiu em viagem. “Nosso encontro foi muito lindo. Só não durou tempo suficiente”.
Numa atração global em voga, o ‘Amor de mãe’ não tem limites. Ele ultrapassa as barreiras da racionalidade na certeza do reencontro entre mãe e filho – passe o tempo que for. A vida deste homem é testemunha disso, mas em sentido inverso. Só que a expectativa nem sempre é justa. O destino, por vezes, é desleal. Foram apenas dois meses de convivência. A mãe da vida real infartou e morreu. Ao filho, sobraram as ruas. O abraço tão estimado da mãe foi substituído pela frieza das ruínas do prédio que hoje abriga as suas dores.

Sem motivos para continuar no Recife, ele sonha em voltar para São Paulo e rever os filhos
Texto e foto: Natalia Ribeiro
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