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(In)visível

  • nataliarib
  • 5 de fev. de 2021
  • 3 min de leitura

Uma rotina exaustiva, acentuada pelo calor do sol, e que passa despercebida por muitos. Em especial, por aqueles que são seus principais causadores. Valdir Tranquilino do Nascimento, 58 anos, percorre quase 40 quilômetros por dia para deixar limpas as praias do Recife. Um invisível que tem no seu ganha pão a tarefa de tornar ainda mais visível um paraíso natural.


Todos os dias, há sete anos, ele sai do Bairro Ibura, onde mora, antes das 7h. Vai até o pátio da empregadora, uma terceirizada da prefeitura na área de engenharia ambiental. Dali, ingressa num ônibus que leva o total de 23 homens. A cada quiosque na orla, uma dupla de recolhedores de lixo salta do veículo. Vestidos com um uniforme em tom verde, eles dão início ao trabalho às 8h.


São dois ciclos de funcionários para assegurar que nada além da beleza natural chame a atenção de turistas e moradores. Nascimento fica até as 13h40. Ele é sucedido por colegas que trabalham até as 22h. O horário é estendido porque durante a tarde a areia costuma ter mais frequentadores – mas nada impede que o lixo volte a aparecer quando o sol nasce. “É tão lindo e a turma deixa a desejar. Eles têm um negócio tão bonito e deixam todo esse lixo”, diz.


Quando conversamos, em Boa Viagem, ele dava início à jornada. Havia percorrido pouco mais de um quilômetro. O dia seria longo. Para dar conta da demanda ele começa "com os materiais mais pequenos e de tarde os pesados, que os barraqueiros deixam, como coco e garrafas”, conta. Pergunto se ele se cansa, já que é um senhor perto dos 60 anos e fica exposto ao sol durante muitas horas. “Canso sim, mas a empresa dá protetor solar e meio-dia faço intervalo”.


A pele, mesmo morena, aponta efeitos da exposição ao sol. O rosto, por exemplo, já tem algumas marcas. Para minimizar os sinais ele se vira como pode: passa protetor solar, usa chapéu com tecido que cobre a nuca, veste calças, camisa de manga longa e sapato fechado. Não dispensa a máscara e os óculos de sol.


Suas ferramentas são sacos de lixo, na cor azul, luvas e um aparelho que chama de leque – uma estrutura de metal que abre e fecha para pegar materiais de diferentes tamanhos. Na mochila, leva o pote com a comida para o almoço.


Mesmo habituado com a função, ele ainda se diz impressionado com o que as pessoas abandonam na praia. “Deixam vidros e até vidros quebrados, que podem machucar as pessoas e cortar elas. Tem espeto de palitinho, que se pegar no saco de lixo pode furar a minha mão”.


Pergunto a ele se gosta de frequentar a praia nos momentos de lazer. Afinal, ver todos os dias um mar verde, e de água transparente, pode aguçar a vontade de qualquer um. Diz que não. Talvez, penso eu, a negativa se explique pelo fato de que ele enxerga a praia como um invisível. "Enjoa. No lazer com a família eu faço outras coisas. Gosto é de pescar”, complementa sorrindo.


Despeço-me de Nascimento e sigo em caminhada pela orla da praia. Alguns minutos depois sou interceptada por uma senhora de meia-idade, visivelmente incomodada, e com uma garrafa de vidro nas mãos, parecendo ser de refrigerante. “É ridículo. Não respeitam a praia. Acabei de encontrar na areia”.


Valdir do Nascimento percorre quase 40 quilômetros por dia entre as praias do Recife


No momento de indignação, a mulher deixou a garrafa no balcão de um quiosque


Texto e fotos: Natalia Ribeiro

 
 
 

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