O Shopping do Vovô
- nataliarib
- 30 de jan. de 2021
- 3 min de leitura
Boina na cabeça e máscara sobre o nariz e a boca. Camisa azul – com regata branca por baixo. Calça social na cor marrom, trabalhada com vinco, mais sandália de couro. Sem esquecer da pochete na cintura. Essa é a estética do personagem desta história, o qual encontrei numa manhã quente do verão de 2021. Ele é a figura por detrás de um indiscreto cartaz em Boa Viagem.
Cícero José dos Santos, 74 anos, é dono do Shopping do Vovô. Na simplicidade de cinco décadas dedicadas a vender pipoca, salgadinhos, água e brinquedos na rua, ele admitiu a experiência adquirida e decidiu estampar a idade no nome do próprio negócio. Estreava, assim, o “Shopping do Vovô”.
“Nunca fui empregado”, conta ele quando pergunto o que já fez para sobreviver. “Criei a família todinha assim”, fala. Quando questiono quantos filhos teve, diz que pegou a família pronta. “Casei com uma viúva, aos 25 anos. Ela tinha 36 e três filhos. Dois já morreram e só a caçula ainda está viva”. Santos gosta de crianças. Também por isso passou seus anos em frente a colégios.
Foi o colorido do negócio, diante de uma calçada, que despertou minha atenção logo que ingressei na Rua Padre Bernadino Pessoa. O vovô estava junto à esquina do Colégio Santa Maria, preparando um antigo carrinho de pipoca para mais um dia de vendas. “Levo uma hora para montar e outra para desmontar”, relata enquanto abre sacos pretos com produtos que haviam sido guardados no dia anterior.
O carrinho transformado em balcão de negócios é da década de 1960. Primeiro serviu para que preparasse e vendesse pipocas doces e salgadas. Já hoje é a vitrine do seu shopping colorido. A mudança de rumo profissional carrega certa tristeza. Para ele, o interesse dos clientes nas pipocas terminou quando “os americanos compraram toda a rede de shoppings de Pernambuco. Eles vendem muito mais caro e a pipoca ainda nem é feita da palha”. Diante da insatisfação, ele passou a revender pacotes de pipoca doce, que compra no mercado.
Santos nunca aceitou trabalhar como empregado e, por isso, seguiu levando para casa o sustento que vem das ruas. Enfrentou e segue enfrentando dificuldades para isso – mesmo já aposentado pela Previdência Social. O idoso sai cedo de casa todos os dias. Pega ônibus no Bairro Ibura, em que mora, até um depósito onde deixa o carrinho, por R$ 100 mensais, perto da Via Mangue. Encerra o expediente em Boa Viagem às 18h e chega ao lar só pelas 20h30. Uma rotina que cansa até para ser descrita. Imagine ao vovô de 74 anos.
Ele, porém, não admite o cansaço. Quer trabalhar “enquanto Deus der forças”. Na pandemia, e com o colégio sem aulas, ficou três meses em casa. Recebeu ajuda financeira e alimentos de pais, professores e empresários, mas, como acredita que “nada exagerado é bom”, avaliou que era a hora de voltar. Por fim, é isso que lhe dá motivos para viver. Além do trabalho de domingo, é claro, único momento em que admite ser empregado - só que para um patrão celestial.
“Vou na escola dominical de manhã e de tarde prego a palavra de Deus”, conta o vovô. Durante a semana útil, quando está no shopping, ele se mantém como um ‘servo’ e entrega folhetos bíblicos a quem compra na sua loja. Como tem a certeza de que vai viver até os 100 anos ele faz alguns planos. “Vou começar a colocar só comida, como pipoca e salgadinho. O WhatsApp tirou o interesse das crianças nos brinquedos”, comenta. A pipoca, por mais que, agora, na versão industrializada, se manterá como principal atrativo do Shopping do Vovô.

Dudu, como é conhecido o sacolé no Recife, foi tirado do catálogo do vovô pela queda nas vendas

Texto e fotos: Natalia Ribeiro
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