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O homem que abriu o mar

  • nataliarib
  • 6 de jan. de 2021
  • 3 min de leitura

“Qual é o seu nome? - Eu sou o homem que abriu o mar”, disse ele. A resposta dada à introdução de uma despretensiosa e informal entrevista não poderia ter sido melhor. Nela já pude perceber a fé de um homem que tem a vida marcada pela busca por dias melhores. Temente a Deus, ele costuma ir à igreja.


Natural de Escada, município a cerca de 60 quilômetros de Recife, capital de Pernambuco, Moisés Marcelino dos Santos, 54, nasceu no auge da poliomielite no Brasil. Dois anos depois do seu nascimento, em 1968, a doença estourou e a partir de então fez muitas vítimas. Ele é uma delas, e, em busca de tratamento para a sua saúde, mudou para o Recife. O quadro, porém, não mudou.


Ele achava que iria abrir o mar da sua vida e, junto da mãe, mudou para a capital. Já era adulto, mas, como à época não havia tratamento para a chamada paralisia infantil, o mar do Moisés pernambucano continuou fechado. Mesmo assim ele não voltou para a cidade natal. Afinal, em Escada não tem mar.


“De vez em quando eu vou até a beira da praia para dar uma olhadinha”, revela. Boa parte dos dias de Moisés é perto do mar. Poucos metros o separam das ondas. A dificuldade de caminhar e a necessidade de ajuda o mantêm longe daquele que tem o seu coração. Dia sim, dia não, ele vai ao prédio de um hotel de negócios, na beira mar de Boa Viagem, na Rua Ernesto de Paula Santos.


No endereço Moisés passa o dia olhando para os vidros dos carros que param no sinal – e, quando sobra tempo, para o mar. Ele não pede ajuda, mas espera a colaboração de quem o vê. “Eu não peço. A turma já me conhece e me dá. O pessoal do hotel também ajuda” comenta. Aliás, é fácil percebê-lo. A doença o atingiu de forma severa e, desde os 16 meses, ele precisa apoiar os braços no chão para caminhar.


O ponto é tão seu que ele aparece no Google Street View quando o imponente hotel é procurado. Moisés não fica ereto, como a imagem da ferramenta online comprova. Ele usa uma espécie de borracha nas mãos para diminuir o incômodo do contato com o espaço que deveria abrigar apenas seus pés.


Por conta da poliomielite ele recebe uma pensão do governo federal, que não dá conta das suas necessidades. “Pago R$ 450 de aluguel, mais água e luz. Fica desse tamanhinho no final”, me mostra ele com o indicador e o polegar separados por poucos centímetros.


O mar de Moisés é grande e tem muitas ondas. Dificilmente sua cor é verde e brilhosa como o da praia de Boa Viagem. Quando o estômago está cheio, a maré até melhora. O problema é que ultimamente ele só tem conseguido almoçar. Apesar de tudo, ele insiste em dizer que é o homem que abriu o mar.


Notas


- A maior incidência de casos de poliomielite no Brasil foi verificada entre os anos de 1968 a 1989, de acordo com o Ministério da Saúde. Com o desenvolvimento e a aplicação de vacinas o país teve o último caso em 1990, sendo considerado livre da doença, junto das Américas, em 1994. O reconhecimento partiu da Organização Mundial da Saúde (OMS).


- Casos da infecção ainda são registrados em países da África e da Ásia, ou seja, ainda não foi alcançada a erradicação da doença, apesar de esforços dos cientistas e também de países em campanhas de vacinação.


- Na maior parte dos casos a poliomielite se manifesta em crianças de até 5 anos, através da contaminação por um vírus que vive no intestino, chamado poliovírus. Tanto em crianças quanto em adultos a infecção ocorre por meio do contato direto com fezes ou com secreções eliminadas pela boca das pessoas infectadas. Os doentes podem ou não desenvolver paralisia.


- O período mais crítico da doença no Brasil teve cerca de 26 mil ocorrências registradas pelas autoridades federais em saúde. Conforme a OMS os casos de poliovírus selvagem, ou seja, os mais graves, diminuíram em mais de 99% desde 1988, quando foram estimados 350 mil casos em mais de 125 países endêmicos. Em 2018, foram notificados 29 casos. Em 2017, foram 22.


- Como a doença não foi erradicada no mundo, há a possibilidade de voltar a ser registrada no Brasil. Por isso campanhas de vacinação, a partir dos 2 meses de vida, são incentivadas pelas autoridades. Mesmo assim a cobertura vacinal tem diminuído ano após ano. Em 2020 cerca de 70% das crianças foram vacinadas. O ano de 2015 foi o último em que a meta de 95% foi atingida no país.


Texto e foto: Natalia Ribeiro

Moisés, o personagem desta história, não quis aparecer em foto.

 
 
 

1 comentario


valestarabaioli
12 ene 2021

Que maravilha!!! Parabéns e sucesso nesse magnífico trabalho ❤️

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